domingo, 24 de março de 2013


BOXE NO SANTUÁRIO

Que aquelas encostam subtraiam as nervuras das folhas,
E que eu suprima as falsas folhas secas no chão:
Porque a minha suposição é fraca...
E quando vejo o fulgor das calças que vestes,
Me enclausuro numa fita roxa e palha lívida.
Me comporto como um estranho em tua recepção.
Cortas com lâmina luminosa a cor e a robustez da nervura,
Apenas pisoteio o que estava sólido e pálido,
E que não me importo demais.
Porque parar é viver.
Porque solução é uma anunciação do povo!
E me lavo de lama, e me importo finalmente...
O plano da difusão é confuso e lavável:
- Uma (des) tragédia.
Roco fios e choro, até nada mais sobrar e me visto,
Que a tua nuvem seja tua capa,
E que teu rosto seja um bordado,
Olhos de ametista, e parado – teu rosto –
Não sinta!
Porque é faminta a infância,
E plumosa a falência.

Trata-se de um ringue solúvel...
Uma sentinela bêbada,
Que beija espuma do mar,
Apaga o abajur à noite,
E não se comove com fiandeiras,
Nem maquiagem,
Nem maçanetas que abrem as portas fixas do chão.
Mas o poste cantando fados me explica a nervura inconsciente,
Me responde o que nada me assistiu,
Me calça a luva que nunca costurei.
Mas no mosteiro há alas de ferro bruto?
- Há um candelabro que acende aquários
E uma resina que desintegra soluços...
Que rebanha clientes,
Que engloba cristãos,
E que mistura plebeus com água doce.

Eu acaricio tuas crinas de cavalo!
Sou carinhoso à medida do possível.
É o meu ensino aos escudeiros...
É a minha força aos enlouquecidos,
Uma regata aos barqueiros, sobras de comida no convés.
E no altarzinho de palha,
As sombras de água são removidas com acetona,
Olho as palmas da mão e vejo graxa:
Temível terra adormecida!
Cheia, com o balde cheio d’água,
De passarinho que colide no painel telefônico,
E que inala sombrinhas de rio.
E nesta sensível lividez detenho os ruminantes,
Eles não podem comer do fio sacro, nem a lanterna...
Têm fio de azougue reclinado no pescoço
E farinha imbuída de vestir,
Apenas a triste e eterna sensação do esquerdo:
E do eviscerado.
E naquela causa de barro,
Todos ajoelham e mastigam ao mesmo tempo –
Apenas pedindo e adiantando o relógio
Para o mais vir inalcançado...
E o que mais queremos é a vitória depenada.
E latir para os novelos de lã,
Esperando urgir de ali, o nó e a lista
Que a sentinela jogou fora,
Totalmente demaquilada.

24 de março de 2013.




sábado, 23 de março de 2013

O INCOMPLETO



A convite, por Carlos Eduardo Heinig.

          Eu vi que já passava da hora quando ela se encolheu e fechou o casaco. Tudo estava amarelado do lindo sol que fazia. Mas o inverno tornava o ar gelado e cortante. A nossa ideia de tomar chá ao ar livre com aquele frio foi extremamente insensata, eu sei.
          - Acho que o vento não deixará concluir-nos o programa.
          - É realmente uma pena, o chá está tão quentinho, ele desce limpando minha garganta. – comentou ela, desviando rapidamente o olhar.
          - Já são seis. Estamos aqui desde às quatro.
          - O tempo voa quando estamos perto de quem gostamos.
          Ela levantou os olhos e não entendeu se eu falava sério ou se estava brincando de alguma maneira. Decidiu entrar na brincadeira:
          - Com certeza. – falou-me rindo, de maneira debochada.
          - Com certeza. – disse eu, escondendo meu sentimento.
          - Preciso ir, rapaz.  Minha mãe foi trocar a roupa da cama, quando o móvel simplesmente desabou. Preciso encontrar antes da noite um marceneiro.
          - Conheço um que trabalha muito bem. Fez para mim uma maldita mesa de telefone que eu havia desistido há tempos de procurar nas lojas. Indicaram-me este homem e fiz a mobília com ele. Simplesmente, o acabamento é perfeito! Perto de páscoa, mandei reformar meus móveis de meu dormitório. Ficaram deslumbrantes, quer conhecer?
          - Ah, seu insolente! Quem você pensa que sou? Uma moça qualquer?
          - Não. Não. Não era isso que eu quis dizer...
          - Mas foi justamente o que entendi. Vou-me embora.
          - Espere. Tome este endereço. – pus em suas mãos. Ela sacara com força e com uma olhar pernicioso.
          - Pois bem. O chá estava ótimo. Obrigada pelo endereço. Passar bem. – Falou-me rispidamente.
          - Passar bem.
          Do alto de minha casa, vi o corpo saindo portão afora. Seu vestido era simples e suas atitudes providas de um ar requintado – Uma perfeita dama. Pois quando olhei de volta, estava ela adentrando o portão. Sorri, achando que a sorte era comigo.
          - Vim buscar meu batom. Esqueci-o sobre a mesa...
          - Pois muito bem. Deve de estar lá. Eu não passei pela mesa do chá. Fui direto ao segundo andar.
          - Pois aqui está!
          - Muito bom, moça.
          - Até mais ver.
          - Até mais ver.
          Servi-me de mais uma xícara de chá. Estava gélido. Travou minhas bochechas e minha língua. Larguei minha xícara e – num relance – olhei a que ela deixara sobre o guardanapo. E realmente constatei que se tratava de uma aliança, no fundo obscuro preenchido com chá preto. Tomei um bilhete e escrevi “aceito”. Pus a aliança em cima. Assim que buscasse haveria ela de achar meu bilhete.
          Mas a noite surgiu, os ares esfriaram ainda mais e minhas esperanças também. De forma que me deitei.
          “Será ela está ansiosa, esperando uma resposta minha? Ou acha que eu ainda não achei. Pois achei. Está entre meus dedos. Vou calçá-la.” – pensei.
          Aquela foi, talvez, a única noite em anos que dormi bem. Estava tão sorridente, tão ansioso por um bilhete vindo pela manhã... Despertou-me uma ânsia fortíssima em ler algo de Ovídio. Como “A arte de amar”... Mas o volume o havia emprestado a um amigo e vizinho, igualmente à procura de um verdadeiro amor. E de como conduzi-lo. Esqueci-me e dormi.
          Mexia fortemente a xícara com o café. Cortei-me uma fatia de bolo. E a cada mastigada eu pensava em Ivone. Tudo isso me parecia um clichê já saboreado por cada personagem de Shakespeare. Cada carta de Werther e cada soneto de Camões. Tanto se fala nessa repetição desenfreada nos livros, nos poemas, nas esperanças; embora, quando se vive – a condição é de um momento completamente inédito. De uma boa-agonia tão suprema, que lês tu Camões como qualquer existencialista, saboreias as letras como as de um livro recém-lançado.
          - Sr. Nelson?
          - Diga, Lucinda.
          - Acaso viste algo de anormal ontem, no chá?
          - Não, nada. Apenas as pessoas de costume. O de costume...
          - Pois a maldita Rosana deu fim em minha aliança. Recém-separada do marido, disse-me que o casamento é algo a esmo. Um ato louco. Uma bobagem. Todavia, gastei uma pequena fortuna no par de alianças que comprei. Meu marido trabalhou o ano passado inteiro embalando vaselina para pagar as prestações da peça. Se eu fosse o Sr., demitiria essa mulher. Acaso viste?
          - Não. Não a vi. Pode ter vindo na toalha embrulhada e quando aberta, para ser estendida sobre a mesa, caiu sobre a grama. Alguém a pisoteou e ela se ocultou. Assim que cortarmos a grama, peço ao jardineiro para procurar. Não deve ter ido muito longe. E quanto a Rosana, verei o que farei com ela.
          - Obrigada, Sr. Vicente.
          - Oh, disponha. – falei. Comi duas fatias de presunto e olhei para o resto da mesa, sabendo o quão certo seria que não dormiria mais uma noite.


23 de março de 2013. 

domingo, 17 de março de 2013


27

(Dionísio Odeli)

Eu paro no sentido avesso,
Recupero o jornal.
Ajoelho nesta poltrona.
E ouço, no Mali, os lisos colares.
Ouço trompetes sugeridos
E apertos de coxa.

Eu paro no cobertor, na pulseira,
No laico esqueleto, caído na gaveta
Faminto e arreganhando a cortina
E lambendo os rejuntes do piso.

Encontro na farpa na janela,
Crio lixas de unha
Bancas de rosto, de revista e
Lato, voltando lado certo.

17 de março de 2013.

sábado, 16 de março de 2013


OS CAMARINS DE BUDAPESTE (II)

(Por Dionísio Odeli)

É a especialidade dos esquisitos
Comemorarem com toucas de banho...
E retribuir os beijos no braço,
Lançando mão dos apetrechos
Avalizado pelos pais entretidos.

Lâmpadas que circulam os espelhos:
Ramos de flores secas nos vasos...
E extintores de calorimetria nas janelas.
Cestas com roupas sujas despedidas dos donos,
Afastadas dos corpos pelo gato.

Ameaças que não se entende,
Enquanto se toma um gole de gim...
Ou se tira os galhos secos do vaso
Esperando um copo de vinho branco
Ou bater poeira do tapete velho.

18 – 08 – 2012

sexta-feira, 15 de março de 2013


WASP

(Por Carlos Eduardo Heinig)

E cada golpe que recebo
No ponto de ônibus,
Na frente do aviário
Me indisponho com a mecânica
 Me deixo esperando:
Queixa pleonástica.
Dividendo.
Primando os colares de mulher dela.
Anunciando uma causa dominada,
Expresso a inferioridade minha
Esculpida no falcão de madeira.

Ajeitando o bolso e a ribana da calça,
Esperando – eu – que ganhe alguma coisa.
Tudo arruinado.
Advindo do mal respondido
Que surge da terra.

E cada corpo ausente
Que me esvai, repouso sentado.
Profiro três palavras de consolo
Porque não sirvo para consolo
Nem para tentação.
Nem para músculos,
Nem para rodopios,
Ou pães franceses.
Nada que cresce, tudo me retém.
Infelizmente, ainda seguro meu suspensório.
Recordo das pálpebras famintas
Piscando em minhas costas masculinas,
Seus lábios fêmeos.
Sua formas efêmeras,
Com beatitude do relógio pontual.

Suas mãos sobre a escrivaninha
São as mãos de Cristo murchas
Da manicure.
A cutícula estava dura demais.
O sobressalto, alto.
A infâmia, precoce.
E o rebuliço, coxo.
De dois pés na espuma do mar...
Assumo sua flacidez na barriga.
XX, te aplaudo enquanto bebes.
Vomito a sopa pra ti,
É um pouco de pedantismo que comas.
Por isso, a flauta enquanto comes
E a etiqueta cortada, se bebes.

Por isso, o espelho se viras e
A ternura, se tapas à minha cara.
Viro o rosto do Cristo, que ele quer passar maquiagem.

14 de março de 2013.