- - Quero que espere!
- Sim?
- Espera no topo da escada que estou subindo.
- Tá bom, porra.
- Não vai me falar nada?
- Não.
-...?
- !
Ela me parou no vão de cima da escada para que pudesse esperá-la no topo. Estranhei os olhos dela por alguns segundos, parecia querer me dar uma má notícia. Talvez meu desespero supersticioso.
- Pronto.
- Quê?
- Estou aqui.
- Sim.
- Sim.
- O que tu qué?
- Seja mais gentil...
E olhei fora de uma janela embaçada. O dia chuvoso conspirava alguma forma de fenômeno natural, um frio... um riso meu... um anagrama com o meu nome pensei em fazer. Mas um anagrama meu ficaria muito fácil... gostaria com um nome mais complexo, mais distante de mim. Queria tanto que meu nome tivesse b. Virei o rosto de novo e foquei no rosto de Isabel.
- Parei de escrever por uns instantes, meu rapaz.
- É?
- Sim. É minha grande preocupação ficar muito tempo sem escrever.
Contornávamos um corredor longo e absurdo. Um corredor com assoalhos largos de madeira já gasta e paredes pintadas com uma cor pálida e descrente em si mesma.
- Acho também que parei de escrever...
- É?
- Pois é,
- Mal posso esperar. – falou-me comendo uma maçã, já quase totalmente sem carne.
- Pra quê?
- Para me ser de novo.
- Ser de novo?
- Ser?
- Sim, esgotar um pouco do si.
- Pode ser.
Caminhamos e os dois olhamos para uma moça de tailleur que nos ultrapassou e entrou numa saleta de escritório mais a frente. Dei-lhe um sorriso.
- Isabel...
- Por que escrever?
- Por quê?
- Sim, por quê?
- Não sei. – falou-me, lavando as mãos na pia.
- Escrever pode ser? Pode desalmar?
- Eu não sei.
- Eu não sei.
-???
- Talvez.
- Acho que sim...
Ela esfregava o sabonete entre os dedos para conversar comigo, a espuma que se formava era rala e tinha um cheiro agradável de erva-doce. Mas eu me preocupava a olhar Isabel. E sim, pensar num anagrama, um anagrama com o seu nome. Por que não? Talvez ficasse bem encaixado. Talvez o nome dela fosse mais privilegiado que o meu. Talvez.
- E Isabel: se, escrevendo, eu te perder?
- Por que isso?
- A perda poética.
- Acho que sim também. Dependa da leitura labial.
- O que isso tem a ver?
- Você não sabe o que os lábios nos fazem?
Pasmei falsamente, pois já sabia disso e adotava como um dogma.
- Não.
- Sei. Poucos sabem. Mas... o que tu escreves?
- De tudo um pouco. Mais pranto que qualquer outra coisa.
- Pensei nisso. Então a leitura de lábios some com teu pranto?
- Sim. E tu, o que enxugas?
- Também um pouco de tudo. – e enxugava os dedos com o papel toalha úmidos, com a velha mania de passar delicadamente entre os dedos. – inclusive meus dedos...
Acho que ela havia notado que eu havia notado na obsessão em manter os dedos limpos.
- Os dedos também fazem parte de nós, não?
- Mas são efêmeros...
- Porque caem lentamente quando se escreve...
Mirei fixamente nela. Os olhos brancos, pequenos... pupilas dilatadas e pele levemente morena. Um riso meio debochado no rosto, mas causticamente crítica a si mesma. Uma revolta meio juvenil demais, para sua idade mental elevada.
O cabelo liso e reto sobre os ombros. Um diagnóstico certo de que cairiam seus dedos nas teclas dos instrumentos de escrita. E continuei pensando nos anagramas relacionados ao nome dela: I – S – A – B – E – L, ISABEL.
- Meu corpo inteiro cai. Você viu que eu tenho que fazer a biografia do meu pai.
- E...
- Odeio escrever biografias. Parece que quem escreve biografias fica num segundo plano... afastado do riso e das boas críticas.
- Mas você tem material poético o suficiente em casa... escreve logo.
- O autor é esquecido, mas a obra deve ser mantida!
- Claro que não, rapaz! Somente a obra deve ser lembrada.
- O autor.
- Ah, que o diabo o carregue. – ela me deixou no mesmo lugar que começamos a conversa: o topo da escada de madeira. Nós dois seguramos no corrimão.
-???
-... .
Ela desceu rindo ironicamente. Eu olhei para o chão, vi um pó denso e transparente sobre as tábuas largas e então, cheguei a um bom anagrama: B – E – L – A . As demais letras poderiam ser esquecidas. Somente estas me valiam. E fui andando e desenhando com os pés no chão as letras do anagrama. Até a janela embaçada onde meus olhos viram a torre da igreja do lado. E voltou-me: BELA. ISABEL BELA.
04 de junho de 2012
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