segunda-feira, 4 de junho de 2012

ANAGRAMAS

-   - Quero que espere!
    - Sim?
    - Espera no topo da escada que estou subindo.
    - Tá bom, porra.
    - Não vai me falar nada?
    - Não.
    -...?
    - !
    Ela me parou no vão de cima da escada para que pudesse esperá-la no topo. Estranhei os olhos dela por alguns segundos, parecia querer me dar uma má notícia. Talvez meu desespero supersticioso.
    - Pronto.
    - Quê?
    - Estou aqui.
    - Sim.
    - Sim.
    - O que tu qué?
    - Seja mais gentil...
    E olhei fora de uma janela embaçada. O dia chuvoso conspirava alguma forma de fenômeno natural, um frio... um riso meu... um anagrama com o meu nome pensei em fazer. Mas um anagrama meu ficaria muito fácil... gostaria com um nome mais complexo, mais distante de mim. Queria tanto que meu nome tivesse b. Virei o rosto de novo e foquei no rosto de Isabel.
    - Parei de escrever por uns instantes, meu rapaz.
    - É?
    - Sim. É minha grande preocupação ficar muito tempo sem escrever.
    Contornávamos um corredor longo e absurdo. Um corredor com assoalhos largos de madeira já gasta e paredes pintadas com uma cor pálida e descrente em si mesma.
    - Acho também que parei de escrever...
    - É?
    - Pois é,
    - Mal posso esperar. – falou-me comendo uma maçã, já quase totalmente sem carne.
    - Pra quê?
    - Para me ser de novo.
    - Ser de novo?
    - Ser?
    - Sim, esgotar um pouco do si.
    - Pode ser.
    Caminhamos e os dois olhamos para uma moça de tailleur que nos ultrapassou e entrou numa saleta de escritório mais a frente. Dei-lhe um sorriso.
    - Isabel...
    - Por que escrever?
    - Por quê?
    - Sim, por quê?
    - Não sei. – falou-me, lavando as mãos na pia.
    - Escrever pode ser? Pode desalmar?
    - Eu não sei.
    - Eu não sei.
    -???
    - Talvez.
    - Acho que sim...
    Ela esfregava o sabonete entre os dedos para conversar comigo, a espuma que se formava era rala e tinha um cheiro agradável de erva-doce. Mas eu me preocupava a olhar Isabel. E sim, pensar num anagrama, um anagrama com o seu nome. Por que não? Talvez ficasse bem encaixado. Talvez o nome dela fosse mais privilegiado que o meu. Talvez.
    - E Isabel: se, escrevendo, eu te perder?
    - Por que isso?
    - A perda poética.
    - Acho que sim também. Dependa da leitura labial.
    - O que isso tem a ver?
    - Você não sabe o que os lábios nos fazem?
    Pasmei falsamente, pois já sabia disso e adotava como um dogma.
    - Não.
    - Sei. Poucos sabem. Mas... o que tu escreves?
    - De tudo um pouco. Mais pranto que qualquer outra coisa.
    - Pensei nisso. Então a leitura de lábios some com teu pranto?
    - Sim. E tu, o que enxugas?
    - Também um pouco de tudo. – e enxugava os dedos com o papel toalha úmidos, com a velha mania de passar delicadamente entre os dedos. – inclusive meus dedos...
    Acho que ela havia notado que eu havia notado na obsessão em manter os dedos limpos.
    - Os dedos também fazem parte de nós, não?
    - Mas são efêmeros...
    - Porque caem lentamente quando se escreve...
    Mirei fixamente nela. Os olhos brancos, pequenos... pupilas dilatadas e pele levemente morena. Um riso meio debochado no rosto, mas causticamente crítica a si mesma. Uma revolta meio juvenil demais, para sua idade mental elevada.
    O cabelo liso e reto sobre os ombros. Um diagnóstico certo de que cairiam seus dedos nas teclas dos instrumentos de escrita. E continuei pensando nos anagramas relacionados ao nome dela: I – S – A – B – E – L, ISABEL.
    - Meu corpo inteiro cai. Você viu que eu tenho que fazer a biografia do meu pai.
    - E...
    - Odeio escrever biografias. Parece que quem escreve biografias fica num segundo plano... afastado do riso e das boas críticas.
    - Mas você tem material poético o suficiente em casa... escreve logo.
    - O autor é esquecido, mas a obra deve ser mantida!
    - Claro que não, rapaz! Somente a obra deve ser lembrada.
    - O autor.
    - Ah, que o diabo o carregue. – ela me deixou no mesmo lugar que começamos a conversa: o topo da escada de madeira. Nós dois seguramos no corrimão.
    -???
    -... .
    Ela desceu rindo ironicamente. Eu olhei para o chão, vi um pó denso e transparente sobre as tábuas largas e então, cheguei a um bom anagrama: B – E – L – A  . As demais letras poderiam ser esquecidas. Somente estas me valiam. E fui andando e desenhando com os pés no chão as letras do anagrama. Até a janela embaçada onde meus olhos viram a torre da igreja do lado. E voltou-me: BELA. ISABEL BELA.



04 de junho de 2012




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