domingo, 5 de agosto de 2012

DOIS BELOS SANTUÁRIOS

   A cara raspada e manhã no começo. Uma certa estranhês naquela dia. Uma escuridão estranha, o dia era uma farsa; não havia cor nem luz. A cor é o ombro do dia, é a festa do balanço mal aconchegado e desemprego da morte. Maldição, a história já era para ter começado... as palavras são contadas e existe certa agressividade nelas. As palavras são como anêmonas que não estão presas. Um calor alegórico e sobreposto aos olhos desinformados. Uma névoa sedenta por nada mais que conselhos.
   Meu filho que não sabia que era adotivo veio me cumprimentar no começo da manhã. Decidi lhe contar o que deveria contar e nada mais. Não deixá-lo mais tapado e sem as devidas informações de onde realmente veio.Eu o amava, mas faltou-me ação... A cada segundo que passava, eu ia ficando nervoso e segundo-a-segundo decidia e me arrependia ao mesmo tempo. E também não sabia como lhe dizer.Porque quando se vê o porta-retrato com nós três, tudo é acreditável. Porém, tudo é condenável. O tudo é uma nova concepção e ele vai se dissipando na fruteira. Ele tem um sabor cristalino e soberbo dentro do mais íntimo estômago. E tem borbulhas como o Champagne. Tem o paraíso e Deus e o conforto de Deus e também a bíblia de Deus.
   É um dano à servidão humana, a recompensa de Deus. É uma trajetória já seguida e com caráter novamente experimental. E se aproxima da adoção. Quando criança, sempre pensava em como seria ser adotado. Como seria o Natal dessas crianças sem pai e nem mãe num orfanato. Talvez uma tarde chuva. Um desquitado semblante que, com tudo, se conforma.
   E, à medida que ele se aproximava de mim, eu sentia uma certa repulsão: um grande medo, uma ingratidão do mim mesmo. E nada mais se encaixava naquela manhã ensopada e com o rosto coçando. Mexi o chá com o dedo mesmo e fui me esquivando, procurei por outro assunto: sua escola. Enquanto ele falava sem saber que eu não escutava, eu ia folheando o jornal matinal. As manchetes soavam  como um pinçado numa corda de violino. E um rufar de tambores acontecia quando eu virava as páginas. Esperei, oportunista que sou, o momento certo, ele aconteceu...
   - Filho, preciso te contar uma coisa...
   - O que, meu pai?
   Abri minha boca, mas dela saiu apenas silêncio e depois um som estranho que eu nunca havia soado. Pois veja que me soei. Meu rosto dilatou a parecia ter nascido de novo. Nasci. Nasço. E isso me acontece com frequência. O nascimento é um novo todo dia (mas com isso perco meu tempo, porque disso o leitor já sabe). Senti um forte calor dentro do meu peito. E uma rápida falta de ar... Aquelas que se sente quando se vê o grande amor e se é necessário falar com ele. As palavras faltam e escasseiam. E dois belos descampados se assemelham no pé da montanha. Esquecendo que o movimento das mãos é descontínuo. E que o amor também. O Universo é descontínuo assim como a última hora deste dia insuportável... Mas a descontinuidade de tudo me consola, porque me acabo onde acabam meus dedos. E o fim sempre é contínuo, ele não se acaba porque sempre será fim. E o começo... bem, o começo pode ser essas minhas palavras desencorajadas, essas que tento falar ao meu filho. E que sempre recuo. Recuar é um tumor. Quando nada mais se pode fazer a respeito ou dizer, recua-se. Até que a sobriedade se torne contorno. O que é sobressair ao questionamento. E o questionamento é o tudo mais dispensável de se falar... não vale a pena. É o concurso da vida onde não existe êxito. Tudo torna-se paradoxal! Os caracóis, no jardim,criticam-se e se difamam. Enquanto  eu pensava em como falar ao meu filho que eu não era pai legítimo dele.
   E o jornal diário não me trazia qualquer tipo de informação nem de conselho. Foi desse modo que pensei em minha sociedade desnivelada como num pique-nique. E a quem eu socorro? E a quê ideais me submeto? As reabilitações dignas dos mais profundos contratos desfeitos... A poesia do café da manhã... O aviso sonoro do eco, que estou sozinho... Que ninguém mais pode fazer o que farei. A mãe de Mathias já saiu para trabalhar, ele não tem irmãos. Ela não queria contar... Mas acho que ele merece saber! Acho a verdade o último apelo. E talvez junto dela, aí sim, um aviso sonoro, uma absolvição dos pecados. E aquela nuvem branca caminhando sobre o céu estarrecido. O disparate e o vulto amedrontado do bebê que adotei e que escolhi como filho... Talvez também a maior das carências humanas. E dos baralhos abençoados por deus dos cassinos. Por isso o aviso sonoro... por motivo de que sou um homem salvo. Os jogos me salvam e com eles comprei esta casa. Mas não me salvo da verdade! Ela é presente... ela é a mãe do tudo. Sim, porque sem ela nem o tudo existiria. Naturalmente, ele se deixaria tudo e seria caos. Porque o caos tem uma certa imensidão e uma certa certeza. Uma incontável semeadura dos imortais compridos. E de crinas de unicórnios vestidos com macacões revestidos de estrelas. E de rodos e de tudo. E me revisto de coragem e consolo a mim mesmo.
   - Filho...?
   - O que foi, pai?
   - Bom dia na escola, meu filho!

04 de agosto de 2012 

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