sábado, 17 de dezembro de 2011

MURIÇOCA (PARTE III)

            - Farei o possível para manter todos atenciosíssimos ao jornal.
            Foi num momento em que escrevia tedioso quando olhei para cima e levei um susto com ela... Ah, que beleza sublime, que olhos maravilhosos!
            - Soube que o senhor tem publicado poemas com dedicatória...
            - Sim, posso ajudá-la nisso?                          
            Ela me deu um manuscrito e eu li desatenciosamente. Nem soube direito o que ela havia escrito ali. Sei muito bem que o aprovei.
            - Posso publicar ainda hoje, senhorita. A propósito, como é o seu nome?
            - Ah, desculpe. É Clarissa.
            - Clarrisa... Clarissa de quê?
            - Clarissa Borges.
            - Vai mandar este poema para alguém?
            - Sim. Mas não tenho coragem de me identificar... Ou... identificá-lo.
            - Amor platônico?
            - Sim.
            Meu coração naquele momento sangrou, não sei se deveria ter pena de mim mesmo ou dela... Tive pena de mim mesmo:
            - Não publicamos poemas sem autoria.
            - Ponha aí, então. Pode escrever o meu nome. Dedico este poema a Manoel de Souza Fraques. Obrigada.
            Depois de uma longa conversa com Becker cheguei à conclusão que não valeria a pena correr atrás de Clarissa. Mas, mesmo assim, escrevi um poema dedicado a ela. Era um poema simples, sem muitos enfeites lingüísticos, porém demonstrando de forma real todo o meu amor que sentia por ela. Era um soneto que a identificava como o óleo do candeeiro, a luz da estrada na noite sem lua. Era bonito, mas não sei se chegava aos pés dela. Enfim, terminei de escrever e levei para Becker pôr os tipos adequados. Ele olhou, desacreditado, para mim e deu uma forte tragada no seu cachimbo e se dispôs a procurar os tipos ideais para o poema.
            - Tem certeza que quer fazer isso?
            - Tenho. Espero que ela retorne o meu amor.
            - Faça como quiser.
            - Obrigado.
            O poema saiu no dia seguinte e foi parar o jornal em minha mesa. Quando me sentei, olhei vagarosamente o jornal, fui lendo as notícias e concretizando a minha poesia, pensava se Clarissa já havia lido meu poema... Foi quando cheguei a última folha do jornal e meu poema está lá... Desenhado com as letras definitivas de Becker e mais o quê? Um... Um bilhete?
            - Lindo poema, muito obrigada. Saiba que eu também te amo. Fui aí só para lhe conhecer melhor naquele dia. Não existe nenhum Manoel, queria vê-lo.
            O amor tomou conta de mim. Eu escondi o bilhete de meu editor-chefe, se ele visse que não existe nenhum Manoel, estaria com problemas. Publicando personagens inverossímeis.
            Dediquei outro poema à Clarissa e recebi outro bilhete...
            - “Quero lhe encontrar esta noite... Na taberna, às oito. Beijos.
            Fiquei extasiado. Meus olhos estavam tão abertos, que pensei que minha poesia fosse entrar diretamente pelo meu cérebro.
            - Cuidado muriçoca. Você sabe como são as mulheres, cheias de venenos...
            - Vou me cuidar, Becker. Mas o senhor consegue diagramar este poema para mim?
            - Claro, Muriçoca. É bem simples. Estará no jornal de amanhã, bem fresquinho.
            - Muito obrigado, senhor Becker... Muito obrigado.
            - Por nada menino, por nada.
            Vesti-me com um belo blazer e pus até mesmo perfume. Penteei meus cabelos e minha mão me deu sua pedra da sorte. Era uma safira que eu deveria carregar no bolso: dava sorte no amor. Ela sempre me dizia isso. Fechei o portão da casa e fui andando pela rua. Os acendedores de iluminação pública estavam começando seus serviços. Encharcando os panos com querosene para, depois, atear fogo.
            Parecia que eu nem estava caminhando, estava flutuando. Meus sapatos, muito bem engraxados, brilhavam em meio à escuridão. Passei na frente da vendo do senhor Moacir, que vendi deliciosos embutidos. Passei na floricultura do Fonseca e do açougue do senhor Pires. Todos estavam contanto dinheiro e fechando seus estabelecimentos.
            Na precinha estava ela. Com um vestido de organza, muito enfeitado. Fomos à taverna. Ela não bebia, mas pediu uma garrafa de vinho para mim. Eu comecei a beber e minha sobriedade foi passando com as horas, fui me sentindo mal e mal, muito mal. Minhas unhas começaram a ficar roxas, meus lábios começaram a formigar e Clarissa me levou para fora para respirar. Ninguém havia notado minha saída no boteco. Foi quando eu vomitei e senti um órgão interno meu, morrer. Ele havia estourado dentro de mim. Senti uma dor descomunal e meus olhos se fecharam rapidamente. Clarrisa deixou um bilhete em minha mão. Foi ela quem me envenenou com cianureto:
            - Aqui vos deixo, não tenho a quem eu amo.
            - A senhorita gostaria da trabalhar na redação, na área de poesia?
            - Sim, gostaria muito.
            - Estive lendo uns poemas seus, de edições anteriores e achei-os excelentes.
            - O senhor é o redator-chefe e sabe como enquadrar o meu poema em seu jornal.
            - A coluna é sua, senhorita Clarissa.
            - Obrigado senhor, não vai se arrepender.

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